segunda-feira, 31 de agosto de 2015

In Faial 1998

     In Faial 1998


Naquela noite espreitava uma penumbra
no eco dos olhares indiferentes,
dos que hoje já não estão presentes
e dela já nada mais se vislumbra.

Foi treva de cão aquela noite,
que ao passo da sombra do luar,
fez o diabo ceifar com a sua foice
os sonhos num incrédulo murmurar.

Rasgou a terra com o seu tridente.
levantando os demónios desconjurados,
que assombraram todas as almas inocentes,
enquanto os anjos sangravam pelos derrotados.

Por entre as chamas, veio ter comigo à cama.
Por um braço segurava-me o arcanjo,
pelo outro, o profano de quem me ama.
Abadom insinuava o pecado do beijo

Na casa cansada, se extinguiu
Uma família de pedra que se esmoronou
Talvez nímio, talvez parco! E fica pouco,
é certo, do que nunca existiu.


poema da obra: Ilhéu revolto

domingo, 23 de agosto de 2015

No último suspiro

     No último suspiro


Penso! Escrevo obtuso no relevo
Do papel. Os contornos do enredo
Que rabisco. Incisivo! Tenso,
Limpo o que não, com o lenço.

Dúbio estou entre o vértice escuro,
De cada palavra que expressei,
Para o sentimento prematuro
Nascido do vocábulo que usei!

Percebes agora que o acrescento que renasce
Para descrever o vivido de cada momento
Estará pois amarrado ao significado mais banal.

Se por entre mil palavras escolhesse
Exprimir a simplicidade de primordial sentimento:
- Deste poema certamente seria o ponto final.



poema da obra: Ilhéu revolto

sábado, 15 de agosto de 2015

No beijo que a ilha dá


     No beijo que a ilha dá


No outono há folhas que ficam e outras que caem!
Nas tarde enfadonhas de castanho,
O céu chora as que morrem,
E às que permanecem, acha estranho.

Na ilha, um barco vai abrindo as águas,
Inquietadas com um sopro invisível,
Que traz à boca todas as mágoas,
Mordendo os lábios com o impossível.

Um último apito ouve-se num cais,
Cheio de lenços brancos acenando o adeus
Mas o meu é vermelho, porque vais,
E não voltas, carregando a ilha, com sonhos meus.

Por entre os olhos despidos no barco,
Estás tu, disfarçando um último olhar,
Pousado sobre a baía esculpida em basalto
Negro dos corpos mortos.

É que aqui jazem as folhas que caem
E as lágrimas que me consomem
São a saliva do beijo que a ilha dá.


poema da obra: Ilhéu revolto

domingo, 9 de agosto de 2015

Ruva Nai

     Ruva Nai


Os lábios ressequidos pela loucura
Desejam tocar a tua pele virgem.
A loucura é que começo a amar,
Só porque o cheiro da tua pele não é meu.

Magoa-me não sentir o teu corpo,
As pequenas agulhas, que dilaceradas na alma,
Fazem do afastamento um esticão do tempo,
Que vai distorcendo este meu corpo insaciado.

Vejo ainda as manhas frias batendo-nos de madrugada
Quando nós dois bebíamos juntos do amor.
Os dias, gélidos, faziam-nos amar o céu chuvoso e a lama,
Talvez o único sítio onde as nossas mentes penetraram.

Tenho uma decrepita vontade de chorar nestes dias,
O insignificante gosto pela podridão dos subterfúgios dolorosos
- É que a depressão é a janela do céu e ela abate-se sobre mim.
Agora escuto apenas o movimento longínquo dos nossos corpos!

Ai! Queria voltar atrás, mas agora os lábios ardidos,
Desejam apenas palavras que complementem a alma.
Ainda vestes a minha alma quando falas com os outros?
Ou novas são as tonalidades de ardência que corrompem o coração?


poema da obra: Ilhéu revolto

domingo, 2 de agosto de 2015

Nas margens do rio




Nas margens do rio


No recanto mais profundo da alma 
Onde a felicidade se confunde 
Com o resquício de luz que contunde,
Trilha um velho sábio na sua palma.

Toca com uma certa misantropia
Um rio que desagua nas suas margens
Sentimentos de outra hora família
Que agora acostam nestas paragens

Nas águas geladas de areia batida
Sabe que ao desejo não cabe 
A vontade da consciência esmorecida

E no lúgubre fundo dos oceanos
Observa com uma certa vaidade 
A probidade dos pedantismos insanos.


poema da obra: Ilhéu revolto